O livro “Cuidados de Enfermagem na Pessoa com AVC” foi lançado pelas especialistas Andreia Lima, Maria Manuela Martins e Salomé Ferreira. A coautora Salomé Ferreira, professora coordenadora do Mestrado em Enfermagem de Reabilitação na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, partilhou as motivações para integrar o projeto literário e os desafios comuns que os enfermeiros enfrentam no acompanhamento de pessoas com Acidente Vascular Cerebral (AVC).
É uma das coautoras do livro “Cuidados de Enfermagem na Pessoa com AVC”, que foi publicado recentemente. O que a motivou a participar na sua redação e qual é o seu principal objetivo?
Salomé Ferreira (SF) – A motivação para a organização e publicação deste livro surgiu da vontade sentida por nós para a necessidade de reunir conhecimentos atualizados e baseados em evidência sobre o papel da enfermagem nos cuidados à pessoa com Acidente Vascular Cerebral (AVC), sendo o principal objetivo colocar à disposição de enfermeiros uma ferramenta que proporcione a melhor qualidade nos cuidados à pessoa com AVC, desde a fase aguda até à reabilitação. Além disso, procuramos também sensibilizar os profissionais sobre a importância do cuidado humanizado e do apoio à família, promovendo uma abordagem holística e centrada na pessoa.
Quais são os desafios mais comuns que os enfermeiros enfrentam no acompanhamento de pessoas com AVC, desde a fase aguda até à reabilitação? De que forma este trabalho pode ajudá-los a lidar com essas dificuldades?
SF – Os desafios mais frequentes enfrentados pelos enfermeiros no acompanhamento de pessoas após um AVC incluem a implementação de protocolos de emergência, a gestão de complicações clínicas e a comunicação com o doente. Este último aspeto revela-se particularmente exigente, uma vez que o AVC pode provocar alterações cognitivas e dificuldades na expressão e compreensão da linguagem, exigindo, por isso, estratégias de comunicação adaptadas.
A todos estes desafios acresce ainda a necessidade de educar o doente e a família quanto aos efeitos do AVC e aos cuidados necessários no período pós-agudo, o que pode ser dificultado pela complexidade da informação a transmitir, num período de crise pessoal e familiar. Por fim, destaca-se o apoio emocional à pessoa e à sua rede de suporte, uma vez que este é um componente essencial na promoção da adaptação e recuperação no que se refere à reabilitação.
Os enfermeiros encontram ainda desafios relacionados com a promoção da autonomia e a adaptação às limitações físicas. Este livro oferece diretrizes baseadas em boas práticas, estratégias para otimizar o cuidado e sugestões para melhorar a comunicação entre todas as pessoas envolvidas no processo de reabilitação, garantindo uma assistência eficaz centrada no doente.
A reabilitação ativa desempenha um papel fundamental na recuperação dos doentes. Que estratégias inovadoras são sugeridas para tornar esse processo mais eficaz e acessível?
SF – O livro enfatiza abordagens como a terapia espelho, a terapia da aprendizagem motora, o treino orientado para a tarefa, a técnica de estimulação da sensibilidade, a utilização de jogos para as atividades de lazer, entre muitas outras. Além disso, explora o uso das terapias manipulativas, da acupuntura e da gamificação como estratégias de reabilitação. A interdisciplinaridade também é destacada, com ênfase na colaboração entre todos os membros da equipa, unindo o esforço individual numa estratégia coletiva para favorecer o sucesso de um plano de recuperação personalizado e motivador.
Um dos temas abordados é a “conceção de cuidados à pessoa e à família após o AVC”. Qual a relevância do envolvimento da família na recuperação e de que forma os enfermeiros podem facilitar essa participação?
SF – A família é essencial na recuperação, pois oferece suporte emocional dentro do ambiente hospitalar e reforça a continuidade dos cuidados fora deste ambiente. As vivências culturais e as preferências da família influenciam a forma como os processos são expressos.
Os enfermeiros devem educar os familiares sobre as melhores práticas de cuidado no domicílio. Estas estratégias incluem sessões de ensino, instrução, envolvimento ativo nos planos terapêuticos e suporte emocional para lidar com as mudanças na dinâmica familiar, favorecendo a sua capacidade de superar esses desafios e de se adaptar às mudanças.
Tudo isto reforça a importância em se fazer uma avaliação do processo familiar, nomeadamente dos aspetos relacionados com local onde a pessoa vive, assim como a organização do funcionamento da casa, no sentido de preparar o melhor possível a integração da pessoa que sofreu o AVC na família, tendo como objetivo promover o processo familiar e a integração de uma pessoa dependente no autocuidado.
O livro aborda a ideia do “bem viver” após um AVC. Pode explicar-nos como os cuidados de enfermagem podem contribuir para essa qualidade de vida?
SF – A teoria do bem viver é uma proposta de transformação social e económica que convida a repensar as relações entre o ser humano, a sociedade e a natureza, valorizando uma existência harmoniosa, coletiva e sustentável. A qualidade de vida após um AVC depende de um acompanhamento contínuo e de estratégias para maximizar a independência do doente, inserido na família e na comunidade, valorizando o papel de cada pessoa envolvida nesse processo de recuperação. Os enfermeiros desempenham um papel crucial na reabilitação funcional, no controlo de fatores de risco e no apoio emocional. Por outro lado, promovem a adaptação a novas rotinas, o incentivo à reintegração social e a capacitação do doente e da família para lidarem com os desafios do dia a dia, valorizando o papel de cada um incluindo o seu próprio papel como enfermeiro.
Num contexto em que o AVC provoca limitações físicas e sociais, como é que os profissionais de saúde podem ajudar as pessoas a manterem-se ativas e integradas na comunidade?
SF – Os profissionais de saúde, e de forma particular os enfermeiros, pois são estes profissionais que estão 24 horas do dia com a pessoa acometida por um AVC, são fundamentais no incentivo à participação em grupos de apoio, programas de reabilitação comunitária e atividades adaptadas. Os enfermeiros podem orientar sobre recursos disponíveis, incentivar práticas de autocuidado e promover a autonomia dentro das limitações e capacidades de cada pessoa. Paralelamente, o trabalho em rede com outros elementos da equipa, seja com assistentes sociais, terapeutas, psicólogos, entre outros, pode facilitar a inclusão no mercado de trabalho e em atividades sociais, fundamentais para o sucesso da recuperação da pessoa.
Ainda existem lacunas na formação dos enfermeiros sobre os cuidados específicos a pessoas com AVC? De que forma esta obra pode contribuir para colmatar essas necessidades?
SF – Eu não diria que existem lacunas. O que acontece é que os programas formativos não conseguem dar resposta a todas as especificidades e particularidades associadas à evolução do conhecimento sobre esta matéria.Este livro, ao apresentar conteúdos atualizados sobre cuidados na fase aguda, técnicas de reabilitação e estratégias de apoio ao paciente e família, vai certamente preencher algumas lacunas que possam existir. Para além disso, vem também reforçar a importância da educação contínua e do trabalho interdisciplinar para melhorar os desfechos colocados à enfermagem no cuidado ao doente com AVC.
O Dia Nacional do Doente com AVC assinala-se a 31 de março. Que mensagem gostaria de deixar a profissionais de saúde, doentes e cuidadores nesta data tão significativa?
SF – Neste dia em que se celebra o Dia Nacional da Pessoa com AVC, gostaria de dizer a todas as pessoas que o AVC pode ser um acontecimento na vida de cada um de nós, mas gostaria de acrescentar também que a recuperação e a qualidade de vida são possíveis com o apoio adequado dos profissionais, da família e da comunidade. De facto, aqui encaixa na perfeição o lema “juntos somos mais fortes”, pois não há recuperação bem-sucedida se não contemplar a soma e a partilha do esforço individual de cada elemento da equipa de saúde, com a pessoa e a sua família no centro de toda a atividade.
Para os profissionais de saúde, gostaria de reforçar a importância da formação contínua e do trabalho em equipa. Para os doentes e seus cuidadores, a mensagem é de esperança e, por isso, dizer-lhes que com acompanhamento adequado e resiliência, é possível reconstruir a autonomia e encontrar novas formas de viver com qualidade. Claro está que a prevenção é a melhor solução e para aqueles que possuem algum fator de risco, o melhor é mesmo seguir todas as orientações do seu médico e enfermeiro de família, pois “mais vale prevenir do que remediar”. Para aqueles que não possuem nenhum fator de risco é importante reforçar a necessidade de manter estilos de vida saudáveis.
Por fim, que expectativas apresenta em relação ao impacto que este livro poderá ter junto dos profissionais de saúde e da comunidade em geral?
SF – Esperamos que este livro se torne uma referência para os profissionais de enfermagem, para os doentes vítimas de AVC e também para os seus cuidadores. Desejamos que esta obra contribua para uma assistência mais qualificada, mais individualizada e mais humanizada.
Pretendemos ainda sensibilizar a comunidade para a importância da prevenção, para a identificação rápida dos sinais, da alerta rápida no mais curto espaço de tempo, do diagnóstico precoce e da reabilitação ativa, promovendo um impacto positivo na vida das pessoas afetadas pelo AVC. Se cada pessoa estiver sensibilizada para, perante o primeiro sinal, alertar rapidamente o Sistema Nacional de Saúde (SNS), estaremos certamente a contribuir com alguns minutos da nossa vida para o sucesso da reabilitação da pessoa com AVC, porque tempo é cérebro e cérebro é vida.