A campanha “Transmissível”, criada pelo Centro Anti-Discriminação VIH (CAD), é fruto da colaboração entre a Ser+ e o GAT. Em entrevista, Ana Duarte, coordenadora do CAD, e João Brito, representante do GAT, partilharam mais sobre a origem da iniciativa e a mensagem que pretendem fazer chegar ao público, sublinhando a importância de combater o estigma e a discriminação associados ao VIH.
O CAD desempenha um papel fundamental na luta contra o estigma e a discriminação. Pode falar-nos mais sobre a sua missão e principais ações desenvolvidas?
Ana Duarte e João Brito (AD e JB) – O CAD, projeto promovido pelo GAT e Ser+, surge em 2010 com o objetivo de garantir, promover e implementar os direitos fundamentais das pessoas com infeção VIH, hepatites virais e populações mais vulneráveis, combatendo o estigma e a discriminação. Conta com cinco áreas de atuação:
- Aconselhamento e apoio jurídico a pessoas que são objeto de discriminação por viverem com VIH/ hepatite e/ou cujos direitos não foram respeitados;
- Ativismo, para advogar e promover alterações legislativas, regulamentares ou administrativas para a eliminação de situações de discriminação estrutural e generalizada;
- Formação e sensibilização dirigida à comunidade, a profissionais de diversos setores e às pessoas que vivem com VIH/hepatites, nas áreas do VIH, hepatites, direitos, estigma e discriminação;
- Centro de Documentação e Informação (CDI) disponível num repositório documental de livre acesso sobre VIH/hepatites, direitos humanos, e discriminação;
- Investigação para produção de conhecimento e evidência científica sobre estigma e discriminação.
A campanha “Transmissível” é uma das iniciativas desenvolvidas pelo Centro Anti-Discriminação VIH, tendo um nome bastante impactante. Como surgiu a ideia e qual a mensagem principal a passar?
AD e JB – Em 2024, o CAD produziu e lançou a campanha “Transmissível” para divulgar a mensagem I=I (indetectável igual a intransmissível), para mostrar que as pessoas com VIH, com tratamento eficaz, podem viver vidas longas e saudáveis, sem transmitir o vírus, ajudando assim a quebrar as barreiras que ainda existem no que toca à compreensão desta infeção. O produto base desta campanha são cinco vídeos, onde 10 pessoas, seis delas a viver com VIH, desafiam o desconhecimento sobre a não transmissão do vírus quando a carga viral é indetectável, bem como os preconceitos e o estigma que viveram na própria pele. A informação transmitida através desta campanha é crucial para educar a sociedade e acabar com os estigmas associados a esta infeção.
Sabemos que ainda existe muito estigma associado ao VIH. Quais são os principais preconceitos que a campanha pretende combater?
AD e JB – Esta campanha pretende, por um lado, mostrar pessoas com VIH saudáveis, com uma vida social, afetiva e profissional igual a qualquer outra pessoa, desmistificando a ideia de doença incapacitante, limitativa e mortal. Pretende ainda dar o ponto de vista de um amigo/parceiro/colega de uma pessoa que vive com VIH, normalizando estas relações e quebrando o medo que muitas vezes ainda está envolto nestes relacionamentos.
A informação é uma ferramenta poderosa na luta contra a discriminação. De que forma a campanha pretende educar e sensibilizar a população?
AD e JB – Um dos principais objetivos da campanha foi disseminar a evidência I=I pelo público em geral, mas também entre as pessoas que vivem com VIH, clarificando que uma pessoa que está em tratamento e com carga viral indetectável não transmite o vírus. Esta informação está ainda pouco difundida e pode fazer uma grande diferença no estigma e discriminação associados a esta infeção, quebrando o medo de transmissão.
Como têm sido recebidas as atividades da “Transmissível” pelo público?
AD e JB – A campanha tem sido muito bem recebida. Para além de ter sido lançada nas redes sociais do CAD, GAT e Ser+, onde chegou a cerca de 317 mil pessoas, foi ainda divulgada no Festival Internacional de Cinema Queer, no Arraial Pride e em diversos órgãos de comunicação social (como a Antena 1, a Sábado e o Jornal de Notícias).
Houve algum momento marcante ou testemunho que tenha recebido durante esta campanha que a tenha feito sentir que o impacto está a ser real?
AD e JB – Reunir 10 pessoas num estúdio para uma missão em comum – eliminação do estigma associado ao VIH – foi o momento mais marcante da campanha. São as pessoas que vivem com VIH e as pessoas sem VIH que falam das suas amizades, dos seus relacionamentos das suas cumplicidades e das suas famílias. Estas 10 pessoas têm realidades de vida diferentes, pertencem também a diferentes comunidades, mas há algo que as une e a campanha em vídeo pretende mostrar precisamente isso: a união entre pessoas quando temos como pano de fundo uma infeção por VIH altamente estigmatizante pela falta de conhecimento e a vontade de transmitir esse conhecimento aos outros. O impacto que tivemos confirmou-se nas mensagens que recebemos de todo o país, de pessoas que assistiram, que se emocionaram e humanizaram um pouco mais o VIH.
O que ainda precisa de mudar em Portugal para que pessoas que vivem com VIH deixem de enfrentar discriminação?
AD e JB – Sabemos que as mentalidades são difíceis de mudar e o VIH foi marcado desde cedo por um enorme estigma, associando esta infeção a grupos e comportamentos já marginalizados socialmente. É importante continuar a mostrar que a infeção VIH pode atingir qualquer pessoa e retirar a culpabilização que ainda continua a ser colocada nas pessoas que vivem com a infeção. Criar um ambiente social seguro e livre de estigma seria também importante para que mais pessoas que vivem com VIH assumissem publicamente a sua infeção. Esta abertura iria certamente ajudar a normalizar esta doença e a fazer com que outras pessoas que vivem com VIH se sentissem confortáveis em falar abertamente sobre isso, ajudando a diminuir o estigma e a discriminação social. É um ciclo que devemos ir tentando potenciar aos poucos.
O Centro Anti-Discriminação VIH e as entidades envolvidas têm planos para dar continuidade a esta campanha ou para lançar novas iniciativas no futuro?
AD e JB – Esta campanha engloba-se na vertente de sensibilização e formação do CAD que funciona de forma contínua. Usualmente, a transmissão de informação e desmistificação de mitos e preconceitos é feita de forma personalizada através de ações de formação direcionadas a públicos-alvo chave, como as próprias pessoas que vivem com VIH, ativistas na área e entidades com grande influência na integração social destas pessoas, nomeadamente empresas, e estruturas de apoio social. No entanto, sabemos que é também importante criar formas de chegar ao público em geral, com mensagens mais curtas, mas que ajudem a mudar a percepção social que ainda existe sobre o VIH. É este o papel das campanhas que temos desenvolvido. Não temos nenhuma outra planeada para breve, mas já desenvolvemos três campanhas e estamos certos que outras se seguirão.
Para quem quiser apoiar ou divulgar a campanha, qual é a melhor forma de o fazer?
AD e JB – Partilhar a campanha nas redes sociais, ajudando a que chegue a mais pessoas, é uma forma de ajudar a difundir a sua mensagem. Não menos importante é poder usá-la em sessões ou eventos, partilhá-la em programas de TV, rádio, blogs ou outros meios de comunicação social, seja de forma isolada, seja acompanhada com um debate sobre o tema, ajudando a trazê-lo para a “ordem do dia”. Contribuir para a diminuição do estigma e discriminação seja em relação ao VIH, seja outras formas de exclusão social, é o papel de todos nós.