Artigo assinado por Catarina Gomes, responsável pela Associação Manicómio
Em pleno século XXI, depois de uma pandemia que trouxe à tona a importância e urgência de falar sobre saúde mental e aumentar o acesso aos seus cuidados, ainda é difícil ter uma consulta de Psicologia ou Psiquiatria facilmente, ou seja, sem burocracia, sem tempo de espera e barata.
Em pleno século XXI e num país europeu como Portugal, onde temos acesso a cada vez mais fontes de informação, cultura e novidades, ainda é complicado aceitar que ter ou experienciar uma doença mental faz parte da condição humana, da nossa diversidade, e que não é uma incapacidade ou um distúrbio.
Em pleno século XXI, e passados quase dois meses do mês da saúde mental, ainda vivemos diariamente presos à vergonha e a uma linguagem estigmatizante, que nos impede de pedir apoio psiquiátrico ou psicológico por medo, mais do que dos outros, de nós próprios.
A campanha, “Um beijo pela saúde mental”, é uma antítese de todos os pressupostos anteriores. Com leveza e humor, mostra que cuidar da saúde mental não tem de ter apenas o foco na doença, mas também na celebração e na aceitação da nossa humanidade. É torcer pela felicidade do outro (e da nossa também), e com a facilidade com que partilhamos algo tão íntimo como um beijo, contribuir também para que mais gente possa ter acesso a um/a psiquiatra, psicólogo/a ou psicoterapeuta.
Nas Consultas sem Paredes, um projeto Manicómio, todos os dias é um dia de normalização. Normalizar o acesso a estes serviços, normalizar palavras e linguagem, desconstruir barreiras e burocracia. Todos os dias falamos com muita gente, individual e entidades públicas e privadas, para em conjunto criarmos esta rede de normalização da doença e saúde mental. A Neuraxpharm foi a primeira a lançar o tijolo neste nosso novo projeto, uma bolsa de consultas (de Psiquiatria, Psicologia ou Psicoterapia) de 3.000€, valor este que irá pagar na totalidade ou comparticipar sessões para quem não tem poder financeiro para custear um processo terapêutico.
E, infelizmente, em Portugal são muitos. Não temos os melhores números financeiros e económicos, nem de saúde mental. Mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9%), de acordo com o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental de 2013, colocando Portugal como o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte. Segundo dados de 2016 da Associação de Psicologia da Saúde Ocupacional, 17,3% dos trabalhadores portugueses estão em burnout. Este número tem vindo sempre a aumentar: em 2008 eram 9%; em 2013 eram 15%.
Olhando para este números parece que nos esquecemos de viver com e em dignidade. De trabalhá-la. De garantir que eu, o meu vizinho ou um/a perfeito/a desconhecido/a tenha acesso a viver em pleno os seus direitos humanos. A ser feliz. A ter saúde mental e física. Esperemos que com campanhas como estas, e novos projetos de saúde mental, este já não seja um tópico para o século XXII.