Artigo de opinião do Professor Joaquim Cerejeira – Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina / Coordenador do Projeto Let’s Talk About Children
Se tentar pensar nas suas memórias de infância, provavelmente não se irá lembrar de acontecimentos que decorreram quando tinha 3-4 anos de idade e a sua memória será escassa até aos 6-7 anos, o que se denomina por “Amnésia de Infância”. Porém, todos temos boas e más recordações de acontecimentos, pessoais e locais que nos marcaram enquanto éramos crianças e que ficam presentes até ao resto das nossas vidas.
Porque é que as recordações da infância são tão importantes?
As crianças têm a capacidade de recordar as experiências do dia a dia, podendo usá-las durante a sua adolescência e vida adulta, com o intuito de criarem a sua própria identidade, para tomarem decisões e para interagirem com outras pessoas. Por exemplo, as crianças que ultrapassaram dificuldades com sucesso, terão tendência a ser mais confiantes para enfrentar os desafios no futuro. Pelo contrário, as experiências negativas ou fracassos serão no futuro memórias que diminuem a autoconfiança e aumentam a ansiedade. Portanto, as recordações da infância ajudam a orientar o comportamento e a tomar decisões mais acertadas.
Como criar memórias boas e fortes?
Uma das principais razões para fortalecer boas memórias na infância é que isso irá ajudar a que as crianças sejam, futuramente, mais felizes. Quanto maiores forem as oportunidades que uma criança tem de viver experiências positivas e estimulantes, de as interiorizar e de as partilhar com outras pessoas, e de construir relações afetivas fortes, maior será a probabilidade de ter boas recordações da sua infância. A família tem um papel fundamental no processo de consolidação das memórias precoces da infância ao influenciar a forma como as crianças interpretam e assimilam as suas experiências do dia a dia.
A melhor forma de consolidar essas recordações é encorajar a criança a falar sobre os acontecimentos e a descrever a sua experiência pessoal, ajudando-a a olhar para essa experiência de uma forma positiva.
O que fazer quando as memórias não são boas?
Infelizmente, não podemos dizer que todas as infâncias proporcionam boas memórias, muitas crianças sofrem de carência económica, violência doméstica, maus-tratos, negligência, abandono, migração forçada ou guerra. Todas estas experiências adversas aumentam os níveis de stress e podem produzir consequências negativas a longo prazo, como por exemplo, diminuindo a autoestima, a confiança e a capacidade de controlar as emoções.
O Projeto “Let’s Talk About Children”, que está a ser implementado em vários países europeus, sendo Portugal um deles, irá treinar profissionais nas escolas e nos serviços de saúde para reconhecer precocemente as crianças e famílias em risco. Deste modo, será possível identificar as necessidades específicas de cada família no que diz respeito à saúde, mas também a outros fatores que influenciam a saúde.
Podemos dizer que todas as pessoas têm boas e más memórias da infância e até as famílias mais disfuncionais podem contribuir para que as crianças tenham boas memórias. No futuro, cada criança não irá apenas pensar no que aconteceu em determinada ocasião, mas sobretudo como as pessoas em seu redor a fizeram sentir: amada, protegida, corajosa e segura.