Viver com esclerodermia tem as suas dificuldades, mas enfrentar a condição com acompanhamento dá esperança e sensação de compreensão. Catarina Leite, presidente da Associação Portuguesa de Doentes com Esclerodermia (APDE) e portadora da doença, conta como encarou a patologia de uma forma solidária ao criar esta associação de doentes, esclarecendo as motivações e objetivos associados a este capítulo da sua vida.
Como é que veio a assumir a direção da APDE?
Catarina Leite (CL) – Sou acompanhada em Medicina Interna, no Hospital de Santo António, no Porto, pela Prof. Isabel Almeida, médica especialista muito dedicada à esclerodermia e presidente honorária da APDE. Um dia fui a uma consulta e fui desafiada pela Prof. Isabel a criar uma associação de doentes. Assim, em 2006, nasceu a APDE, que tem na sua constituição doentes, familiares e profissionais de saúde.
Quais os objetivos da APDE?
CL – A APDE tem como objetivos a divulgação da doença, o aconselhamento e apoio a pessoas com esclerodermia e às suas famílias, a luta pelos direitos dos doentes, a promoção da investigação clínica e a cooperação com outras associações congéneres nacionais e internacionais.
A APDE ajuda os doentes de que forma? Quais as vantagens em ser membro desta Associação?
CL – Na APDE prestamos apoio informativo a todos os doentes, em questões médicas, legais e apoios sociais. Encaminhamos os doentes para médicos especialistas. Organizamos todos os anos um congresso que, além de palestras sobre assuntos variados, tais como tratamentos, saúde mental, úlceras digitais, fisioterapia, nutrição, aspetos legais, apoios sociais e terapias alternativas, entre outros, também é um momento importante para o convívio entre doentes, familiares e profissionais de saúde.
Na APDE tentamos sempre conseguir mais direitos para os doentes. Até agora conseguimos um projeto de resolução na Assembleia da República para que todos os medicamentos sejam gratuitos para os doentes com esclerodermia, esta é uma luta demorada, mas da qual não desistimos. Somos membro com direito a voto da FESCA (Federação Europeia de Associações de Esclerodermia), o que nos permite acompanhar a realidade dos outros países europeus. Temos também marcado presença em todos os congressos internacionais de esclerodermia para poder informar os doentes com as mais recentes descobertas na investigação da doença.
A principal vantagem em ser sócio/a da APDE é ajudar a associação a alcançar os objetivos. Para além desta vantagem, temos também alguns protocolos com empresas, nas quais os nossos sócios podem usufruir de descontos ou benefícios.
Referir ainda que nos tornamos IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) em 2022, o que nos vai permitir ter acesso a mais e melhores apoios para os nossos sócios/as.
Atualmente, a APDE conta com quantos sócios/ membros?
CL – A APDE conta, atualmente, com 200 sócios.
A esclerodermia é uma doença pouco conhecida na sociedade. Que testemunhos vos chegam por parte dos doentes?
CL – Normalmente, o primeiro impacto é o medo, as pessoas tendem a fazer pesquisa no Google e, por vezes, deparam-se com informações assustadoras. Por exemplo, sendo a esclerodermia uma doença sistémica (também se denomina esclerose sistémica) pode afetar todo o organismo, no entanto, é preciso perceber que a doença se manifesta de forma muito diferente em cada doente, ou seja, há muitos sintomas, mas isso não significa que a mesma pessoa vá ter todos os sintomas.
Embora a esclerodermia possa surgir em homens e mulheres de qualquer idade, incluindo crianças, é mais prevalente em mulheres de cerca de 40 anos. Esta é uma idade ativa em termos profissionais e, por vezes, as limitações impostas pela doença obrigam as pessoas a reorganizar a vida de forma diferente.
Estes doentes têm tendência a isolar-se?
CL – Sendo uma doença que afeta o tecido conjuntivo, tornando a pele mais espessa e menos elástica, tem um impacto que pode ser significativo, na imagem corporal, sobretudo na face e nas mãos. Estas alterações à imagem corporal podem causar alguma fobia social nos doentes, sobretudo no que se refere a situações em que se tornam o centro das atenções. Na APDE tentamos sempre incentivar as pessoas a não se isolarem.
Além de presidente da APDE, também é doente. Quando é que a doença entrou na sua vida e que impacto teve?
CL – Já se torna difícil dissociar a doença da minha vida. A esclerodermia surgiu na minha vida há cerca de 33 anos. Tenho esclerodermia juvenil, era ainda uma criança quando me diagnosticaram. Já não concebo a minha vida sem as limitações impostas pela esclerodermia, no entanto, sempre me adaptei e, embora não tenha dúvidas do grande impacto que teve na minha vida, sempre tentei traçar e alcançar os meus objetivos independentemente da doença. Posso dizer que sou e sempre tenho sido uma pessoa feliz e realizada e devo muito disso à minha família.
Quais são os principais sintomas desta patologia?
CL – Os principais sintomas da esclerodermia são o fenómeno de Raynaud (para muitos doentes este é o primeiro sintoma), a fadiga, as úlceras digitais, dor nas articulações, espessamento e rigidez da pele, placas (manchas) na pele, dificuldade para engolir, dificuldade respiratória, dificuldades ao nível da mobilidade e refluxo esofágico, entre outros.
Quais as principais dificuldades sentidas? A par dos sintomas, qual o impacto a nível laboral e emocional?
CL – A principal dificuldade passa por aceitar uma doença complexa, desconhecida, sem cura e de causa desconhecida. As dificuldades dependem também na fase de vida em que a pessoa se encontra, por exemplo, o impacto para uma pessoa com família constituída e já perto da idade da reforma será diferente que para uma jovem que ainda planeia ter filhos e está à procura do primeiro emprego. Há muitas pessoas com esclerodermia que conseguem trabalhar a tempo inteiro, outras pessoas deixam de o conseguir fazer, claro que tudo isto depende da severidade dos sintomas e também da exigência física do trabalho. É preciso aceitar que se deixam de conseguir fazer algumas coisas e outras terão de ser feitas mais devagar. Eu costumo dizer que tudo é possível, apenas temos de nos adaptar.
Os sintomas físicos e psicológicos associados à esclerodermia têm impacto significativo na qualidade de vida dos doentes. Alguns estudos sugerem que a psicopatologia é frequente em doentes com esclerodermia, nomeadamente a depressão e a ansiedade. Assim, é fundamental que os doentes possam beneficiar de apoio psicológico, não descurando a importância do apoio da família, dos amigos e dos profissionais de saúde.