Fibromialgia e Síndrome da Fadiga Crónica | “Quem olha para nós, vê uma pessoa normal a tentar viver uma vida normal.”

Fibromialgia e Síndrome da Fadiga Crónica, Ricardo Fonseca

Por Catarina Cardeta | Fotografias cedidas pelo entrevistado

Ricardo Fonseca vive com uma doença invisível, mas que fará parte da sua vida para sempre. Com o objetivo de combater a incompreensão em torno da fibromialgia, o atual presidente da Myos – Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica, explica à Tempo de Partilhar o que é esta doença e quais os seus sintomas. Recorda, também, o longo caminho que percorreu até chegar ao diagnóstico, sempre de “braço dado” com a dor, assim como as estratégias que foi adotando ao longo do tempo. Na linha da frente ao combate à pandemia, o enfermeiro partilha também um pouco do seu dia a dia, revelando que, não é altura de baixar os braços.

“Desde sempre que me lembro de viver com dores.” É desta forma que Ricardo Fonseca inicia o seu testemunho, revelando que, em criança, os médicos atribuíam as suas queixas a dores de crescimento ou falta de descanso. “Fui aprendendo a viver assim, sem me questionar muito, até porque a certa altura comecei a pensar que era normal sentir dor”, recorda.

Contudo, quando ingressou no ensino superior para estudar Enfermagem, o acesso a mais informações na área da Saúde e o agravamento da sua condição física levaram-no a interrogar-se sobre o porquê de sentir dor. “Comecei à procura de uma causa para a dor e para o cansaço que sentia, e para os quais não havia nenhuma justificação plausível. Estava sempre a pedir exames e ficava triste quando os resultados não apresentavam alterações, porque sabia que alguma coisa estava errada. Era impossível não estar”, relembra. “Aos 32 anos de idade, decidi ir
a reumatologistas, que já havia consultado quando era mais novo, e só aí fui diagnosticado com fibromialgia”, recorda Ricardo Fonseca. Para o presidente da Myos, esta foi uma demanda que se arrastou por vários anos e que apenas chegou ao fim após ter consultado “muitos médicos” e depois de “muitos exames”, mais precisamente há cerca de sete anos.

Classificada como uma doença reumática, Ricardo Fonseca descreve a fibromialgia como uma doença crónica que envolve um vasto conjunto de sintomas que podem também ser associados a outras patologias. Refere que o principal sintoma é a “dor generalizada e difusa”, sem que haja uma causa aparente, e que é constante, pois embora possa ser mais ou menos intensa, nunca desaparece. Além da dor, os sintomas incluem cansaço, problemas cognitivos, perturbações do sono e alterações intestinais. “Esta é uma doença que não tem ainda uma causa conhecida, pelo que a medicação vai atuar no sentido de controlar a sintomatologia”, refere o enfermeiro.

Apesar de se poder manifestar de uma forma extremamente incapacitante, “a doença não é progressiva e não piora ao longo do tempo”, esclarece, antes de acrescentar: “É uma doença que incapacita pela dor e pelo cansaço, mas que não provoca deformações. Na altura, tive de mudar a minha vida. Consegui adaptar o meu horário de trabalho e ficar em horário diurno, deixei de sair à noite e passei a gerir melhor o meu tempo, ou seja, a tentar ter o máximo de períodos de descanso e a tirar deles o melhor partido. Nós não conseguimos ter um sono profundo e, por isso, estamos sempre cansados”, explica o enfermeiro.

Além destas mudanças, Ricardo Fonseca procurou apoio psicológico, que considera muito importante para ajudar os doentes “na adaptação a uma nova realidade”, e informou os seus familiares e amigos sobre o diagnóstico. E salienta: “A escrita para mim foi uma grande terapia. Colocar no papel, quando me sentia menos bem ou zangado, ajudou-me muito a aliviar o stress e as minhas frustrações. Não que resolvesse os problemas, mas ajudava-me a ver as coisas com mais clareza.” Paralelamente, Ricardo Fonseca revela que, acima de tudo, procurou não se importar com aquilo que os outros diziam, o que considera ser um grande desafio para os doentes com fibromialgia. “Nós costumamos dizer que a fibromialgia é uma doença invisível. Quem olha para nós, não vê nada. Vê uma pessoa normal a tentar viver uma vida normal. Portanto, dizem que somos preguiçosos e que só gostamos de nos queixar”, mencionando que estes são alguns dos estereótipos e preconceitos em torno desta patologia.

Para o presidente da Myos, após um diagnóstico de doença crónica, neste caso de fibromialgia, todas as pessoas deveriam viver um processo de luto, considerando que o nível de aceitação da doença está muito relacionado com este processo e com a “rede de suporte” do doente. “Há quem ainda não tenha aceitado a doença e eu acredito que quanto mais lutamos contra uma coisa mais poder lhe damos”, diz Ricardo Fonseca. Contudo, alerta: “Aceitar não é resignar. É questionar sobre como viver da melhor forma possível, porque nós, mesmo com doença crónica, podemos ser felizes. Desde que aprendamos não só a geri-la, assim como a nossa saúde em todos os aspetos.”

Por estar na linha da frente do combate à pandemia, as rotinas do enfermeiro têm sofrido alterações. “Voltei aos turnos e a fazer muitas horas por semana, pela necessidade de recursos humanos. O meu quotidiano hoje é passado praticamente a trabalhar e aproveito cada período de descanso, unicamente para descansar, para aguentar uma nova jornada de trabalho”, salientando que, independentemente da doença com a qual vive e da forma como muitas vezes se sente, “não se pode baixar os braços nesta altura”. “Continuo por enquanto a sentir-me bem. Acho que a adrenalina também ajuda”, conclui Ricardo Fonseca.

 

Sobre a Myos – Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica

Fibromialgia e Síndrome da Fadiga Crónica, Myos, é invísivel mas a dor é realApós o diagnóstico, Ricardo Fonseca conta que procurou também uma “rede de suporte constituída por pessoas que viviam a mesma realidade”. “Acho que faz falta unirmo-nos a pessoas que estão a passar pelo mesmo que nós”, reitera. Por esse motivo, recorreu à Myos e integrou de imediato a associação como voluntário, tendo ajudado na escrita de textos, no atendimento aos doentes e sócios e, mais tarde, em
vários eventos e reuniões. Abraçou, depois, o desafio de assumir a presidência da Direção. “Enquanto puder dar a voz e a cara para falar sobre a doença, eu dou. Porque acho que quanto mais falamos, mais desmistificamos. Quanto mais ficamos em silêncio, mais damos lugar e voz à incompreensão”, justifica.

De acordo com Ricardo Fonseca, o principal propósito da associação passa por apoiar todas as pessoas que vivem com fibromialgia e síndrome de fadiga crónica, quer sejam doentes, quer sejam familiares e amigos, no sentido de os ajudar não só a lidar com o doente, mas também com a frustração de não saberem o que fazer e como ajudar. “Ao mesmo tempo, um objetivo da associação é estreitar a ligação com os profissionais de saúde, para que os cuidados sejam melhores e mais personalizados, bem como colaborar com estudos académicos e de investigação”, complementa.

Relativamente à síndrome de fadiga crónica, o enfermeiro explica que esta patologia foi durante muito tempo confundida com fibromialgia, pelos muitos sintomas comuns. Contudo, nesta síndrome o sintoma predominante é uma fadiga intensa. E alerta: “Há muitos doentes que não conseguem ter uma vida normal, porque não conseguem sair da cama, dado o cansaço extremo que sentem. Estas síndromes não podem ser tratadas só com medicamentos, é preciso que haja uma abordagem muito maior”, considerando que um tratamento multidisciplinar seria “ouro sobre azul”. Destacando também a importância de um apoio psicológico, da intervenção de um nutricionista e das terapias complementares, o presidente da associação revela ainda que têm sido feitos vários esforços e estabelecidos diversos protocolos por parte da Myos, com a intenção de promover esta abordagem profissional junto dos doentes.

No próximo dia 12 de maio, em que se celebra o Dia Mundial da Fibromialgia e o Dia Mundial da Síndrome de Fadiga Crónica, a Myos completa 20 anos de existência.

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