Dia Internacional do Celíaco assinala-se a 16 de maio
A doença celíaca entrou na vida de Susana Tavares em 2014, quando o seu filho foi diagnosticado, na altura com sete anos de idade. Procurou aprender mais sobre esta patologia e encontrou um grande apoio na Associação Portuguesa de Celíacos (APC), tendo assumido a Direção da entidade em dezembro do ano passado. Considera que as dificuldades no dia a dia dos celíacos podem ser ultrapassadas com criatividade, mas acredita que há ainda muito a fazer no sentido de aumentar as opções de produtos e de espaços, onde possam, de forma segura, usufruir de uma refeição apropriada à sua dieta.
O único tratamento consiste numa dieta isenta de glúten para toda a vida. O que é que isto significa?
Susana Tavares (ST) – Significa que temos de privilegiar os alimentos naturalmente isentos de glúten: Os hortícolas, a fruta, as gorduras e os óleos, os laticínios, as carnes, o pescado e os ovos, as leguminosas e a água. Apenas alguns cereais como o trigo, o centeio, a cevada e alguma aveia contêm glúten e, por isso, não podem ser utilizados e têm de ser substituídos. Relativamente aos alimentos processados, já existe também uma grande variedade disponível. A contaminação tem de ser zero e essa é a maior dificuldade. A reintrodução do glúten não pode nunca existir, porque esta é uma doença para a vida.
O que mudou no seu seio familiar após o diagnóstico?
ST – No início, tivemos de aprender sobre a doença e sobre o que é uma dieta isenta de glúten sem contaminações, para nos adaptarmos a essa nova realidade. Decidimos implementar a mesma dieta para todos, para que não houvesse esse risco. Aprendi a fazer todos os pratos, mas adaptados, desde as refeições principais até às nossas uma máquina e aprendemos a fazer pão, mas conseguir que ficasse fofinho talvez
tenha sido uma das maiores dificuldades. Neste momento comemos de tudo.
Numa casa em que nem todos têm a mesma dieta, quais os cuidados que se devem tomar?
ST – O celíaco tem de ter um espaço dedicado aos seus alimentos, que deverão estar no topo da despensa. Alguns utensílios devem ser exclusivos, tais como a torradeira, a tábua, a máquina e a faca do pão, o escorredor da massa, o pano da louça e a esponja, entre outros. Os restantes devem ser muito bem higienizados. É preciso ter também muito cuidado com o forno. A ventilação deve estar desligada e os alimentos sem glúten devem estar cobertos sempre que vão ao forno. Neste caso é muito mais difícil garantir a isenção, mas é possível.
Quais acredita serem as principais dificuldades sentidas no dia a dia de um celíaco?
ST – O celíaco tem de antecipar os locais que vai frequentar e perceber se vai encontrar sítios onde pode fazer refeições, ou se as deverá levar.
A dificuldade é, por vezes, não conseguir fazê-lo em todas as situações, mas com o tempo vai sendo cada vez mais fácil. O meu filho nunca deixou de fazer o que os colegas fazem. Por exemplo, há dois anos foi acampar e, no café em frente do parque de campismo, não havia hipótese de fazer uma refeição segura. Nesse sentido, comprei uma máquina de embalar a vácuo, cozinhei e embalei todas as refeições para a semana, e solicitei ao restaurante que as guardasse num local separado da arca frigorífica. Depois de aquecidas, era o meu filho que abria as embalagens. Ou seja, há dificuldades, mas temos de as saber ultrapassar com criatividade.
Ir comer fora com amigos é então um desafio para um celíaco?
ST – Fora de casa é necessário ter muito cuidado com as contaminações, que podem ocorrer se os alimentos, apesar cozinhados com molhos inapropriados para celíacos ou em superfícies que não sejam corretamente higienizadas. Felizmente, já existem alguns espaços certificados pela APC e, nos restantes, é possível fazer refeições, mas apenas após muitas perguntas e explicações.
Em último caso, quando não é possível que o restaurante tenha uma refeição apropriada, por exemplo uma pizzaria, poderá sempre levar uma marmita.
O que encontrou na APC?
ST – Encontrei um sítio que me dava informação totalmente correta e que me ensinava a ultrapassar as dificuldades. O primeiro passo foram as consultas com nutricionistas que só se dedicam a esta dieta. Os encontros também me ajudaram muito, pelo contacto com muitas pessoas que tinham as mesmas dificuldades que eu. E tudo se tornou cada vez mais fácil. Depois comecei a fazer parte da associação e a ajudar aqueles que estavam a começar.
Que motivos a levaram a assumir a Direção da APC?
ST – Já fazia parte da anterior Direção, pelo que me propus a dar continuidade a um trabalho que comecei a desenvolver em 2017. Estou extremamente motivada, com muitos projetos para implementar. Acredito que ainda há muito a fazer para aumentar a oferta de produtos e de espaços seguros para os celíacos.
Estima-se que existam dezenas de milhares de celíacos por diagnosticar em Portugal. Como se podem combater estes números?
ST – Em Portugal, aponta-se que existam entre 10 a 15 mil pessoas diagnosticadas com doença celíaca. Estima-se, no entanto, que o número efetivo se situe entre os 70 e os 100 mil, pelo que nos deparamos com uma taxa de subdiagnóstico de aproximadamente 85 por cento – percentagem de indivíduos que têm a doença, mas desconhecem esse diagnóstico. Podemos combater este número de subdiagnósticos, fazendo o rastreio à doença celíaca, que pode ser incluído num check-up anual, uma vez que se traduz numa análise sanguínea a um
marcador específico, que se pode solicitar junto do médico de família.
Devem ainda ser rastreados os familiares de primeiro grau de celíacos (pais, irmãos ou filhos), bem como todos aqueles que apresentam patologias que, reconhecidamente, se relacionam com a doença.
O que é a doença celíaca?
“A doença celíaca é uma doença crónica, autoimune, que surge na sequência da ingestão de glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis”,
explica Susana Tavares. Segundo a presidente da APC, a resposta inflamatória mediada pelo sistema imunitário – uma reação do organismo contra o próprio intestino delgado, desencadeada pelo glúten – origina a progressiva destruição da mucosa e lesa as vilosidades, diminuindo consequentemente a sua capacidade de absorção de nutrientes. A responsável adianta ainda que, apesar de esta já ter sido considerada uma doença pediátrica, é agora percebida como uma doença que afeta todas as faixas etárias, sendo que cerca de 50 por cento dos novos sócios da APC, inscritos no passado ano, foram diagnosticados em idade adulta.
A doença celíaca apresenta uma grande variedade de sintomas, podendo afetar vários sistemas de órgãos, embora existam doentes com
uma ou poucas queixas, por vezes muito ligeiras. “As manifestações são habitualmente divididas em dois grupos: os doentes com sintomas clássicos (frequentes nas crianças) que apresentam casos de diarreia, flatulência, distensão abdominal, cólicas, emagrecimento, desnutrição ou atraso de crescimento; e os doentes com sintomas atípicos, geralmente adultos com sintomas extraintestinais”, conclui.
Livro explica aos mais novos como viver com a doença
Em colaboração com a cadeia de supermercados Mercadona, a Associação Portuguesa de Celíacos (APC) lançou o livro “O Bando dos Celíacos – Aventuras com Barrigas Felizes”, em dezembro do ano passado. De acordo com Susana Tavares, esta iniciativa tem como objetivo oferecer material informativo, com linguagem adaptada ao público infantil, a que os pais de crianças celíacas possam recorrer para explicar aos filhos como viver com a doença.
“A experiência dos quatro protagonistas – Pedro, Alice, João e Maria – ajuda a conhecer e compreender melhor a doença e como ela pode afetar a convivência e o dia a dia da criança celíaca”, remata a presidente da APC.
O livro foi enviado em formato físico a todos os associados com idades até aos 12 anos e está disponível no website da associação em formato digital: https://www.celiacos.org.pt/na-escola/.