“A doença de Parkinson não se combate apenas com fármacos e terapias complementares, mas também com relações humanas”

A doença de Parkinson não se combate apenas com fármacos, Ana Botas

Por Catarina Cardeta

A propósito do Dia Mundial da Doença de Parkinson, que se assinala a 11 de abril, Ana Botas, vice-presidente da Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (APDPk), fala-nos sobre esta patologia e partilha a sua experiência enquanto familiar de uma doente.

Quando é que a doença de Parkinson entrou na sua vida e que impacto teve?
Ana Botas (AB) – Quando a minha avó foi diagnosticada, com cerca de 85 anos. Ao início, a doença não teve um grande impacto no nosso seio familiar, porque a minha avó era muito ativa e autónoma. Contudo, quando completou 87 anos, verificou-se uma evolução progressiva da doença, que a tornou mais dependente, nos seus dois últimos anos de vida. Nessa altura, já não podia ficar sozinha, porque não conseguia fazer as suas tarefas do dia a dia. Ficou em cadeira de rodas, uma vez que começou a sentir dificuldade em movimentar-se, e caía muitas vezes. A minha mãe assumiu o papel de cuidadora e dava-lhe apoio em tudo, e eu também ajudava.

Quais são os principais sintomas desta patologia?
AB – A doença de Parkinson apresenta uma sintomatologia motora e não motora, que varia de pessoa para pessoa. O sintoma mais referido é o tremor, mas a instabilidade postural, ou seja, os desequilíbrios, são também comuns. Falamos ainda de um fenómeno designado por freezing, quando a pessoa fica completamente bloqueada e não consegue andar, o que é traumático se pensarmos que pode acontecer quando o doente está a atravessar uma passadeira.

Em termos de sintomas não motores, a obstipação é um dos mais frequentes, bem como o aumento da sudação. Em estádios muito avançados, existem doentes que apresentam dificuldades de deglutição. Na associação, procuramos incentivar o doente a informar-se junto do seu médico neurologista, a explicar o que sente e a falar sobre tudo o que fuja à normalidade, porque pode ser consequência da doença de Parkinson ou de uma outra patologia.

Fale-nos um pouco sobre a história e os objetivos da APDPk.
AB – A associação nasceu em 1984, com o objetivo de dar a conhecer à sociedade a doença de Parkinson e com a missão de melhorar a qualidade de vida das pessoas com esta patologia e dos seus cuidadores. De há uns anos para cá, o nosso lema é “diga não ao isolamento e venha até nós”, porque os doentes ainda revelam muito esta tendência. E, neste sentido, a associação procura demonstrar que os doentes têm algumas características, mas fazem tudo o que as outras pessoas fazem, e explicar que, em estádios iniciais, e durante muitos anos, uma pessoa pode viver com a doença e ser ativa. Até porque, embora a maior parte das pessoas seja diagnosticada com mais de 60 anos de idade, existem doentes que são diagnosticados por volta dos 30 anos. Neste caso, falamos de Parkinson juvenil, que não é muito comum.

Vou dar um exemplo que, para mim, é muito simbólico e significativo, relacionado com uma exposição que organizámos e para a qual juntámos os nossos associados que se dedicam às artes, desde fotógrafos a pessoas que fazem trabalhos manuais e pintores. Uma exposição que surpreendeu as pessoas, quando, na inauguração, estas viram os trabalhos e lhes dissemos que os artistas eram doentes com Parkinson.
E foi isso mesmo que quisemos transmitir: uma pessoa com doença de Parkinson pode fazer tudo o que as outras pessoas fazem, mas ao seu ritmo.

Como é que veio a assumir a Direção da APDPk?
AB – Entrei na associação pelas mãos da minha avó, uma vez que, na altura em que foi diagnosticada, pouco sabia sobre a doença de Parkinson. Por essa razão, eu e os meus pais fomos à procura de mais informação, o que nos trouxe à APDPk. Um projeto levou-me a trabalhar na associação e acabei por ficar sempre ligada à APDPk, como voluntária, mesmo após o seu término e o falecimento da minha avó. Fui depois convidada a integrar uma lista para a Direção, da qual não era vice-presidente, mas deu-se o acaso de, no quarto ano do mandato, vir a assumir a Direção. Posteriormente, acabei por ser desafiada por uma colega a voltar a concorrer e a fazer mais e algo de significativo pelas pessoas.

Que testemunhos vos chegam por parte dos doentes?
AB – Segundo os testemunhos que nos chegam, e também de acordo com a minha experiência, aceitar a doença é o passo mais difícil. A partir desse momento, quando a pessoa aceita que tem de viver com a doença, tudo se vai tornando mais fácil. Há todo um conjunto de ferramentas, tratamentos e terapias complementares que são essenciais e que ajudam a pessoa a ter uma boa qualidade de vida e a retardar a progressão da doença.

Quais são os motivos que levam os doentes a isolar-se?
AB – A sociedade ainda olha de lado para o que é diferente. E é muito desconfortável um doente ir na rua, entrar numa farmácia ou tentar fazer as suas compras num supermercado, e por estar com desequilíbrios, ouvir coisas desagradáveis, como insinuarem que está embriagado. O problema é que as pessoas, às vezes, param e comentam, e os doentes acabam por se isolar, em certas circunstâncias, até da própria família. Existem doentes, por exemplo, que deixam de ir jantar fora e de conviver, porque o tremor faz com que demorem muito tempo a levar o talher à boca, o que dificulta a refeição. No entanto, no sentido de combater o isolamento, dizemos aos doentes para darem o seu exemplo e para virem cá para fora. Procuramos assim dar a conhecer as várias características desta patologia, que são sintomas da doença de Parkinson e que não são motivos para os doentes serem olhados de lado.

Em que medida é importante os doentes não se isolarem dos que lhe são mais próximos?
AB – A doença de Parkinson não se combate apenas com fármacos e terapias complementares, combate-se também com relações humanas. Se um doente tiver à sua volta pessoas que o acolhem, que o apoiam, que o estimulam, que o fazem sair de casa, é meio caminho andado para a pessoa ter uma atitude positiva e de aceitação.

Considera que esse preconceito está associado a um desconhecimento, por parte da população em geral, relativamente à doença de Parkinson?
AB – Acho que sim. Acredito que está associado sobretudo ao desconhecimento. Por isso, o nosso trabalho é consciencializar e informar a comunidade. E nós fazemos isso através dos meios de comunicação, de conferências, de ações de consciencialização, entre outras iniciativas.

“Diga não ao isolamento, nós vamos até vós!”

“Receámos que, com o confinamento, as pessoas com Parkinson se isolassem mais. E nós não queríamos que os nossos associados se sentissem sós e desamparados”, começa por dizer Ana Botas. Neste sentido, a vice-presidente da APDPk explica que foi disponibilizado um número de apoio psicológico gratuito, para associados, bem como o manual “Parkinson em tempo de pandemia”, em abril do ano passado.
“Se o nosso lema era ‘diga não ao isolamento, venha até nós’, nesta fase de pandemia, a mensagem que quisemos passar foi: diga não ao isolamento, nós vamos até vós”, acrescenta.

Dado que, de acordo com Ana Botas, a abordagem à doença crónica deve ser multidisciplinar, “o manual contou com o apoio do Prof. Doutor Joaquim Ferreira, neurologista, que integra o conselho científico da associação, e está dividido em várias áreas terapêuticas. A terapia da fala, por exemplo, é uma área de grande intervenção na doença de Parkinson, devido às alterações ao nível da deglutição e de comunicação ajudando os doentes a recuperarem a sua voz e a fazerem-se ouvir”, enfatiza.

Assim, contando também com o contributo de Sílvia Lourenço, psicóloga clínica, de David Nascimento, terapeuta da fala, e de Josefa Domingos, fisioterapeuta, tendo sido compilado por Madalena Bettencourt de Oliveira, o manual inclui exercícios cognitivos, vocais e de fisioterapia, passíveis de serem realizados em casa, e está disponível gratuitamente em: https://parkinson.pt/2020/04/11/parkinsonem-tempo-de-pandemiamanual-de-exercicios/

“Todo o manual é uma intervenção de bem-estar e tivemos um feedback muito positivo”, refere a vice-presidente da APDPk, mencionando que “as pessoas que não conseguissem ter acesso às novas tecnologias” eram “uma preocupação”.

Segundo a representante da Direção, depois do sucesso de um projeto experimental de fisioterapia por telefone, em Lisboa foi criado, no passado mês de dezembro de 2020, o projeto “Lado a Lado”, que pretende ir mais longe e ser mais direcionado, prestando um maior acompanhamento. “Reativámos o nosso grupo de cuidadores, via Zoom, onde procuramos prestar apoio psicológico. E iniciámos, em fevereiro de 2021, um grupo de apoio psicológico para pessoas com Parkinson, também por esta via. Para as pessoas sem acesso às novas tecnologias, disponibilizamos apoio de Fisioterapia e apoio psicológico por telefone”, menciona. Ana Botas refere ainda o trabalho das delegações em identificar estes associados como essencial para este programa. “Costumo dizer que são as nossas mãos de trabalho no terreno”, conclui.

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